Gilbert Simondon e a Inteligência Artificial. Uma reflexão a partir da sua obra

Na segunda conferência do II Ciclo de Estudos Inteligência Artificial, Fronteiras Tecnológicas Devires Humanos, o pensador francês é o ponto de partida para as reflexões de Thiago Novaes

Foto: Wikipédia

Por: João Vitor Santos | 27 Setembro 2023

O uso das tecnologias baseadas na Inteligência Artificial – IA já parece naturalizada em nosso tempo. Se o lançamento do ChatGPT causou alvoroço e fez até instituições de ensino pensarem em barrar, ou ao menos dosar, o uso da ferramenta, discutir o tema tem cheiro de notícia velha. Nas manchetes dos jornais e sites, até os especializados em tecnologia, nem se veem mais matérias sobre o ChatGPT. Como diria Umberto Eco, parece que passamos de apocalípticos a integrados. Será?

Se as discussões mais efêmeras sobre IA parecem ter arrefecido, por outro lado vivemos uma guerra em curso em que a IA tem sido uma potente ferramenta de morte. Mas, ainda assim, situar os usos desta tecnologia em nosso tempo entre apocalípticos e ou integrados parece um tanto polar. É neste sentido que, talvez, o pensamento do francês Gilbert Simondon (1924-1989) possa ser interessante ao nos apontar outras perspectivas. Como salienta Benedetto Vecchi, em artigo de 2017, Simondon convida a pensar a técnica a partir do lugar em que a cultura ocupa para os humanos, ou seja, são indissociáveis. “A cultura e a técnica são instrumentos que os seres humanos utilizam para controlar a natureza, e dobrá-la para as próprias necessidades de reprodução”, explicou Vecchi.

 

Ao estudar a obra de Simondon, Vecchi observa que esta abordagem é “tese seminal, precursora de tanta literatura sobre o antropoceno, ou seja, sobre o sinal de alarme quanto à irreversibilidade das alterações introduzidas pelo homem na natureza, que poderiam levar ao desaparecimento da espécie humana”. E aqui podemos pensar tanto na guerra na Ucrânia e nas bombas que caçam gente como também na matéria-prima expropriada de tantos lugares no mundo para serem convertidas em componentes para fazerem funcionar a IA nossa de cada dia, de celulares até eletrodomésticos.

No entanto, antes que enveredemos para o rápido caminho da conclusão de que Simondon colocaria a IA na caixa “dos feitiços que se viraram contra o feiticeiro”, olhemos para a perspectiva do professor Ivan Domingues, da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, que vê no conflito um belo ponto de fuga na obra do pensador francês. “O negócio em Simondon não é o equilíbrio, é a dinâmica. Ele quer passar da estática para a dinâmica. Afinal, um sistema em equilíbrio não possui nem ganho nem perda de energia. Em um processo dinâmico, ao contrário, é necessário um plus de energia”, pontua, em conferência realizada em 2013.

Pois, se é do atrito que surge um novo possível, elevar o pensamento sobre a IA da estática para a dinâmica possa ser uma bela pista sobre o que Simondon diria de nossa atual relação com a tecnologia. E, apropriando-se da elaboração de Vecchi, pensar a IA em nosso tempo, desde Simondon, deve partir da “abertura de caminhos de pesquisa para a superação de paralisantes antinomias, como aquelas entre natureza e cultura, entre técnica e cultura”. Mas, aprofundando a reflexão, o que mais a filosofia de Simondon pode nos incitar a pensar sobre IA? Esta é a questão central da webconferência desta quinta-feira, 26-09-2023, às 10h, com o Thiago Novaes, da Universidade Federal do Ceará – UFC, promovida pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

 

Novaes tem se dedicado a estudar o pensamento de Gilbert Simondon. É o principal organizador da coletânea internacional Máquina Aberta: a mentalidade técnica de Gilbert Simondon (Dialética, 2021).

A conferência compõe a programação do II Ciclo de Estudos Inteligência Artificial, Fronteiras Tecnológicas  Devires Humanos.

Coletânea organizada por Thiago Novaes | Foto: Divulgação

 Saiba mais sobre Gilbert Simondon

Filósofo e tecnólogo francês era conhecedor de mecânica, eletrônica, hidráulica e termodinâmica. Nascido em Saint-Étienne, estudou na École Normale Supérieure e na Sorbonne, obtendo nessa última o título de doutor em 1958. Foi aluno de Georges Canguilhem, Martial Guéroult e Maurice Merleau-Ponty.

Simondon | Foto: Wikipédia)

 

Sua obra perpassa investigações em tecnologia, técnica, estética e individuação. Sua tese complementar de doutorado, Du mode d'existence des objets techniques, publicada em 1958, teve repercussão imediata pelo caráter ousado da proposta antifenomenológica e não tecnofóbica, apresentada por Simondon para se pensar a gênese dos objetos técnicos, exigindo como análise destes o tratamento específico de suas realidades, de seus funcionamentos e utilizações.

 

Simondon é ainda pouco lido, embora esporadicamente citado. Sua tese principal foi dividida em duas partes para publicação: L'individu et sa gènese physico-biologique (1964) e L'individuation psychique et collective à la lumière des notions de forme, information, potentiel et metaestabilité (1989).

Conheça Thiago Novaes

Professor colaborador no Programa de Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas – Mapp, da Universidade Federal do Ceará  UFC. É doutor em Antropologia Social pela Universidade de Brasília – UnB, bacharel em Ciências Políticas e mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Realizou estágio pós-doutoral na Universidade College London, com bolsa CAPES em 2019 e junto ao PPG em Comunicação da Universidade Federal Fluminense – UFF, em 2018, como bolsista de pós-doutorado Jr. do CNPq.

Thiago Novaes | Acervo pessoal

 

É autor de Os filhos da técnica: a reprodução assistida e o futuro do humano informacional (Appris, 2017) e principal organizador da coletânea internacional Máquina aberta: a mentalidade técnica de Gilbert Simondon (Dialética, 2021).

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